Resgatei o texto abaixo de um comentário (1) que realizei em 29/11/2019 no grupo Misofonia – Síndrome. No final do texto vou indicar as referências.
Misofonia tem mais característica de Síndrome que, aos poucos, vai desencadeando outros problemas do que de uma doença. Mas apesar disso, outros problemas também podem desencadear a Misofonia. Sobre isso, segundo o que já li em vários estudos e conversando com especialistas, apesar dos sintomas e da ordem que eles surgem, ainda não se conseguiu determinar o que pode surgir primeiro quando na presença de várias comorbidades. Há várias hipóteses.Podemos analisar uma das hipóteses. Então vamos ao meu caso, mas que fique entendido que estou falando e analisando o meu caso.
A CURA, OU SEJA, A ELIMINAÇÃO TOTAL DA AVERSÃO A UM SOM ESPECÍFICO
O EMDR (2) – Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares) é uma psicoterapia que permite o reprocessamento de memórias, com eficácia reconhecida pela OMS.
Através do EMDR, reprocessei vários problemas, mas vou citar, neste comentário, um Evento de Memória Traumática, ocorrida comigo quando tinha por volta de um ano e que com a técnica, resultou no fim do efeito negativo, em mim, para os sons de lixar superfícies. Pude então analisar todo o processo de outra forma. Vou enumerar para ficar mais fácil
1 – O Evento ocorreu no momento em que eu dificilmente lembraria depois, pois na idade de um ano nós ainda estamos no processo de formação do EU, quando passamos a nos distinguir dos outros.
2 – Isso ocorre devido que os ossos do crânio ainda estão espaçados e ainda serão colados, no que chamados popularmente de moleira. Eles ainda estão molhes para acomodar o cérebro que ainda está crescendo, pois não é possível desenvolver todo o nosso cérebro ainda na gestação, caso contrário, a cabeça não passaria pela pélvis na hora do parto, caso este seja um parto normal.
3 – Sem o cérebro totalmente desenvolvido na idade de um ano, várias funções psíquicas estão imaturas e com Isso, como já citei, ainda estamos formando nosso EU, nossa consciência.
4 – O cérebro imaturo ainda não é capaz de fornecer estruturas para interpretarmos corretamente tudo que vem pelos sentidos e como vamos criar os sentimentos. Esse processo é um aprendizado (cognitivo) e vamos aprendendo a nos comportar e reagir a esses estímulos.
5 – Aparentemente foi nesse momento que passei por uma situação quando meu cérebro interpretou, de forma traumática , um evento e o associou com um estímulo neutro, no caso o som do lixar de unhas que é um som inofensivo . O cérebro não sabe o que é verdade ou não, ainda mais nesta fase de desenvolvimento.
6 – A associação errada entre a sensação traumática e o estímulo neutro, ficou lá dentro de mim, aparentemente inerte.
7 – Aos 7 anos, após o trauma de ficar um mês com ouvidos e gargantas muito inflamados na minha recuperação pós cirúrgica de extrair as amígdalas (ou Toncilas Palatinas), tive muitas dores de ouvido e muita sensibilidade a sons acima de certo volume, mas ainda de baixa intensidade, aparentemente era uma Hiperacusia
8 – Depois.da inflamação ceder a “Hiperacusia” foi diminuindo, mas alguns sons, bem específicos, começaram a me incomodar mesmo num volume baixo quando são incapazes de causar algum trauma acústico, foi o início dos sintomas de Misofonia (abril de 1977).
9 – Com o passar do tempo, uns meses, comecei a não conseguir mais tolerar outro som específico: o lixar de unhas.
10 – Pois bem, o trauma ocorrido quando eu tinha 1 ano foi que, enquanto minha mãe fazia o pedicure, meu irmão com então 7 anos pegou a tesourinha e brincando me acertou e causou um corte acima do meu supercílio diteiro. E ele fez isso enquanto minha mãe lixava as unhas.
11 – No momento que estava realizando a sessão do EMDR (foi uma das técnicas naquele momento ) para buscar memórias traumáticas, meu cérebro estimulado pela técnica resgatou para a minha consciência essa experiência com detalhes. Foi o momento que a – técnica de reprocessar memórias – desvinculou o estímulo neutro – lixar de unhas, da sensação desagradável de ser agredido pois foi assim que meu cérebro interpretou e processou este evento como uma agressão. Não é à toa que me sentia agredido ao perceber sons de lixa.
12 – A forma, o como e o porquê que este evento ficou armazenado na minha memória e como, 6 anos depois, esta sensação traumática iniciou um gatilho de Misofonia ainda não está bem (ou muito pouco) explicado pelos estudos (mais de 50) que analisei.
13 – Comecei a manifestar TOC logo depois do inicio dos gatilhos. Se o TOC foi resultante de um transtorno neurológico na fase de desenvolvimento ou – de um transtorno de uso (ou psicológico) – depois das estruturas cerebrais estarem formadas, justificando que o sofrimento e a ansiedade da Misofonia o iniciaram, nenhum exame, atualmente, será capaz de afirmar.
14 – Só relatei um evento, mas tive outros relacionados a outros gatilhos. No [Relatos de um Quase Misofônico], cito outros. Esse citado no item 10, foi realmente traumático, mas às vezes a mente de um cérebro ainda em desenvolvimento pode interpretar algo menos perigoso como trauma . E com um ano, como foi meu caso, as áreas do cérebro para meu sistema auditivo e as áreas correspondentes às emoções estava ainda sendo formadas como já citei no item 2.Muitos negligenciam ou não tem noção que podem ter passado por situações traumáticas antes de 2 anos e com isso nem vão lembrar.
Ah! Antes que eu esqueça de citar: Todos os meus gatilhos foram eliminados.
CONCLUSÃO
No meu caso, só com uma técnica de recuperação e reprocessamento de memórias que eu pude fazer a conexão de eventos e descobrir a dinâmica por trás do trauma que resultou no gatilho. Há várias hipóteses do motivo de ter ocorrido assim e até mesmo do porquê do êxito do EMDR, mas que para mim foi a eliminação de um “som gatilho”, ou como poderíamos tecnicamente falar, a desassociação de um estímulo neutro com um sentimento negativo de agressão.
Para deixar bem claro, depois desta sessão específica do EMDR o som de lixar parou de me incomodar.Algumas observações
Observações
Observação 1
Pela TCC – Terapia Cognitivo Comportamental, eu vinha conseguindo reprocessar eventos traumáticos. O termo correto neste caso é Ressignificar, ou seja, mudar o sentimento, reação a um evento específico, no caso o dos efeitos dos gatilhos. TCC está mais ao alcance da maioria, mas para quem não tem acesso a psicólogos, processos que promovam mudanças interiores como a ressignificação há várias: desde religião, filosofia de vida, meditação, autoconhecimento, atitudes positivas (3) . Nem todas vão atender às demandas de cada um, pois o aspecto síndrome da Misofonia a torna diferente em cada pessoa. Igual só mesmo o sofrimento. De qualquer forma sugeri um passo a passo para tratamento baseado no meu caso, em outra postagem aqui no grupo (4) .
Observação 2
A terapeuta Patrícia Simões Santanna tratou com sucesso, duas pessoas antes de mim, com os sintomas de Misofonia, para amadurecer a forma como ela realizaria as etapas do EMDR (usando outras técnicas em conjunto) com pacientes com Misofonia, criando o [Protocolo PS para Tratamento da Misofonia] e a terapeuta precisou realizar todas as etapas do EMDR comigo. Precisa ter experiência pois quando resgatei a memória traumática citada nesta postagem, senti várias reações físicas desagradáveis antes de reprocessar e desfazer essa associação traumática e eu terminei a sessão me sentindo bem, graças às habilidades da Terapeuta. Então sugiro não realizar essa etapa do tratamento de forma online. Melhor ter o(a) Terapeuta fisicamente presente.
Observação 3
É uma boa oportunidade para que todos nós entendamos mais sobre Misofonia (4). Neste caso ler um pouco mais do – Condicionamento Pavloviano – que pode explicar, em parte como surgem alguns gatilhos quando o cérebro associa estímulos neutros (sons) a estímulos traumáticos.
Observação 4
Há vários relatos sobre sucessos e sobre insucessos com o EMDR, assim como TCC, medicamentos, fones, Ruído Branco, abafadores, etc. Cada pessoa tem a sua história (5) e a sua forma de lidar com os problemas, dores, estresses. No meu caso, houve uma sinergia produtiva entre a Terapeuta e o Paciente que permitiram, acredito eu, que a técnica funcionasse. E a Terapeuta é muuuuuito experiente!!!!!!!
Referências
(1) Texto original desta publicação: https://www.facebook.com/groups/misofoniapt/permalink/2970896499606894/?comment_id=2979702832059594&reply_comment_id=2980294155333795
(2) EMDR – https://youtu.be/zVdAhPL78WM
(3) Há várias formas de promover autocura: https://www.facebook.com/groups/misofoniapt/permalink/2957030460993498/
(4) Um passo a passo publicado no grupo Misofonia – Síndrome: https://www.facebook.com/groups/misofoniapt/permalink/2908848269145051/
(5) Saiba mais sobre Misofonia: https://www.misofonia.org
(6) Meus relatos públicos: https://www.youtube.com/watch?v=wg7mWybs4K8 – https://misofonia.org/relatos-ex-misofonico-1/ – https://misofonia.org/tcc-minha-cura/